segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Filosofia não é brincadeira não!

Outro dia estava olhando alguns anúcios de cursos superiores e me deparei com um questionamento intrigante: o ensino nada mais é do que uma mercadoria.
Ora, não sou ingênuo e romântico. Sei que todas as faculdades particulares estão a procura de alunos e nesta jogada vale tudo, desde mp3 até computadores portáteis.
No entanto, o meu pensamento se concentrou numa outra temática. Os cursos são apresentados como se fossem mercadorias.
Você entra numa determinada universidade, clica no curso e lá estão eles descritos de uma forma totalmente apelativa.
A educação pragmática é terrível. Ela mina todo ideal universitário da pesquisa, do aprofundamento e da reflexão.
Os alunos agora vão, estudam 3 ou 4 anos para pegar o diploma e cair no mundão de Deus, abastecendo assim as fileiras do capitalismo.
Qual a consequência? Milhares de diplomados analfabetos.
Criamos no Brasil técnicos e dos bons diga-se de passagem. Mas não conseguem levar avante um discurso coeso e coerente sobre um determinado assunto.
Não é de se estranhar que ninguém mais consegue parar na frente de um LIVRO (coloquei livro em letras maiúsculas para diferenciar LIVROS dos livros que os jovens e adultos hoje estão acostumados a lerem.
Não temos mais espaço para uma reflexão profunda. Tudo é líquido e escapa das mãos num piscar de olhos.
Bem, mas onde eu quero chegar com todo este preâmbulo?
Quero chegar numa única afirmação: ao contrário dos cursos apresentados nos sites das "unis" da vida, a filosofia tem e precisa ser o diferencial. É a única ciência capaz de pensar as origens e criticar-se a si mesma.
Portanto, vamos salvar ainda o que resta. Vamos salvar a filosofia. O resto, já foi pelo ralo.

Kierkegaard um pensador atual

"Hoje já não se pode dizer que, no Brasil, não se leu Kierkegaard. Há vinte anos, foi possível ironizar dizendo que aqui não se lera, só se escrevera sobre Kierkegaard. Agora não!” A afirmação é do Prof. Dr. Álvaro Valls, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Tradutor de O conceito de angústia, ainda no prelo, Valls disse que agora a obra poderá ser lida em uma tradução fiel e filosófica, investigada em “seus aspectos dialéticos, platônicos, agostinianos, schellinguianos, hegelianos”. De acordo com ele, atualmente, existem inúmeros trabalhos de pós-graduação sobre Kierkegaard em nosso país. A respeito da recepção da filosofia desse pensador em nossa terra, Valls assinala que esta difere da alemã, francesa e japonesa. Ele explica: “Trata-se de uma recepção bem humorada, competente, mais divertida, sem perder tempo com polêmicas rancorosas”.
Valls é doutor em Filosofia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha). Professor titular do PPG-Filosofia da Unisinos, é pesquisador do CNPq, presidente do Grupo de Estudos sobre as obras de Kierkegaard nesta instituição e um dos fundadores da Sociedade Kierkegaard do Brasil (Sobreski). Traduziu algumas obras desse filósofo direto do dinamarquês, publicadas na coleção Pensamento Humano, pela Editora Vozes, e está finalizando a tradução de uma obra de Theodor Adorno para a Editora UNESP. De sua produção bibliográfica, citamos Entre Sócrates e Cristo (Porto Alegre: Edipucrs, 2000) e O que é Ética? (São Paulo: Brasiliense, 1983). Com Jorge Miranda de Almeida, escreveu Kierkegaard (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007). Na Jornada Argentino-Brasileira de Estudos de Kierkegaard, apresenta em 13 de novembro a comunicação Três leituras que Adorno fez de Kierkegaard.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em seu livro Entre Sócrates e Cristo, o senhor faz a seguinte afirmação: “Ora, se a ironia é uma atitude diante da vida, é também uma forma de comunicação”. O que significa isso?
Álvaro Valls
- A ironia, na tradição socrática, é uma atitude relacionada ao nada (ver: “só sei que nada sei”) e mais radical que o niilismo, o cinismo e o ceticismo. Embora Hegel, na sua História da Filosofia, a reduza a “uma maneira de conversar”, ela é bem mais do que isso, é uma atitude diante da vida, que desafia o dogmatismo dos donos da verdade e questiona os que abstraem de sua própria subjetividade. Kierkegaard, que penetrou no mundo grego orientado por Poul Martin Møller (a quem dedicou O conceito angústia), apropriou-se da ironia da maiêutica socrática, porém considerou necessário colocá-la a serviço de uma ideia mais alta. Argumentou que, depois do ensinamento de Jesus Cristo, a ironia não tinha mais o direito de ficar com a última palavra: essa foi sua crítica, p. ex., à chamada ironia romântica. Mas a ironia poderia ser utilizada, na comunicação, como arma ou instrumento, pela elasticidade que ela proporciona aos enunciados, devido à distância entre a intenção do falante (o que este “quer dizer”, relacionado à dimensão pragmática) e o significado semântico da proposição. Numa sociedade saturada de certezas, a comunicação deve esforçar-se por provocar curiosidade mais do que por fornecer novas certezas. A ironia representa, na vida humana autêntica, um papel semelhante ao da dúvida na filosofia moderna: há que começar por elas.
IHU On-Line - Há alguns anos, o senhor, invocando um personagem de Lima Barreto, se autodefiniu como uma ave rara, um dos poucos brasileiros que lia Kierkegaard em Dinamarquês. De lá para cá, mudou alguma coisa?
Álvaro Valls
- Mudou muita coisa! Antes dos trabalhos pioneiros de Ernani Reichmann, em Curitiba, nos anos 1960 e 1970, talvez só Alceu de Amoroso Lima (dos nomes mais conhecidos no Brasil) tenha conseguido penetrar com alguma profundidade na obra do então chamado “pai do existencialismo”. E era uma aproximação no mínimo cautelosa, como se depreende do título da obra de Alceu: O existencialismo e outros mitos de nosso tempo. Mesmo quando um bom escritor e poeta português, como Adolfo Casais Monteiro, traduzia um livro de Kierkegaard, como aquele sobre as formas do desespero, não sentia a necessidade de ler o texto original. Assim, para mim, os anos 1980, após meu doutorado em Heidelberg com Michael Theunissen, foram anos de deserto, só aliviados, por algum tempo, pela amizade do conterrâneo Ernani Reichmann e do francês Henri-Bernard Vergote, que me deram como uma missão (ou um desafio) fazer tais traduções. Reichmann me apelidava de “kierkegaardiano de escola”, consciente do oxímoro que isso representava. Hoje, porém, já temos em andamento no Brasil dezenas de trabalhos de pós-graduação sobre Kierkegaard. Há cerca de uma dúzia de professores e estudiosos com doutorado sobre ele (seja em São Paulo ou Campinas, seja na Itália ou na Noruega). Fizemos nove Jornadas de estudos nos últimos nove anos, pelo Brasil afora. Colegas nossos já publicaram vários livros de boa qualidade, como recentemente Marcio Gimenes de Paula e Jorge Miranda de Almeida. Vários doutores brasileiros já desfrutaram das ótimas condições de pesquisa da Kierkegaard Library, de Minnesota. Jonas Roos investigou por mais de um ano no Centro de Pesquisa de SK, em Copenhague. As traduções novas que vão aparecendo têm sido feitas sempre a partir do original. O Conceito de ironia já chegou à terceira edição, As obras do amor em pouco tempo alcançou a segunda edição. Quem estará comprando e lendo esses livros? Kierkegaard começa a ser lido e discutido, a ser compreendido e relacionado dentro da história do pensamento filosófico.
IHU On-Line - A Sociedade Brasileira de Estudos de Kierkegaard (Sobreski), da qual o senhor é um dos fundadores, possui o seguinte lema “Uma sociedade ironicamente correta”. O senhor concorda que esse lema resume, de certa forma, a recepção brasileira do pensamento de Kierkegaard e tornou-se o leitmotiv dos estudiosos brasileiros?
Álvaro Valls
- Parece que sim. “Ironicamente correto” é uma expressão que ocorre na Dissertação de 1841. A recepção brasileira difere da alemã, da francesa e da japonesa. Trata-se de uma recepção bem humorada, competente, mais divertida, sem perder tempo com polêmicas rancorosas. Este lema (inventado por brincadeira, numa ironia redobrada) aponta para nossa tese da leitura (tal como o propunha o grande pesquisador Henri-Bernard Vergote em Sens et Répétition: Essais sur l'ironie kierkegaardienne (Paris: Le Cerf, 1982) da obra como um todo, desde a Dissertação de 1841 até a polêmica final com a Igreja oficial dinamarquesa (interpretada em sua teatralidade maiêutica: “a caráter”) além do material dos Papirer, ou seja, a sugestão de que queremos ler a obra de Kierkegaard sem nos satisfazermos com aspectos anedóticos de sua biografia e uns poucos textos pseudônimos. E se Kierkegaard foi chamado “o Sócrates nórdico” é por haver muita ironia até em suas obras aparentemente mais sérias e de feição mais acadêmica, como no Conceito angústia, por exemplo. “Ironicamente correto” lembrava também que fizemos oito Jornadas de Estudos sem solicitar verbas das agências financiadoras. E nos reunimos por oito anos numa Sociedade sem nenhuma burocracia (e claro que sem dinheiro). Outra ironia foi quando, numa das nossas primeiras Jornadas, a única participante que não era patrícia nossa era Patrícia Dip, da Argentina.
IHU On-Line - Pela primeira vez esta Jornada de Estudos de Kierkegaard é promovida pela Sobreski em parceria com a Biblioteca Kierkegaard, de Buenos Aires. O que o senhor espera dessa parceria com os pesquisadores argentinos?
Álvaro Valls
- O mundo de idioma espanhol dispõe de traduções melhores a mais tempo do que nós. E nossos colegas argentinos vêm discutindo a obra de Kierkegaard com grande seriedade há vários anos. Darío González, por exemplo, trabalhou no Centro de Copenhague por muito tempo. Andrés Albertsen lidera a Igreja Dinamarquesa de Buenos Aires. Em metade de nossas Jornadas, tivemos a sorte de contar com colegas argentinas como Patrícia Dip e Maria José Binetti, que alguns de nós também encontraram na Kierkegaard Library do St. Olaf College, em Northfield, MN, nos Estados Unidos. Os contatos se multiplicaram, aqui e nas Jornadas Argentinas, da Biblioteca Kierkegaard, no ISEDET de Buenos Aires, e daí surgiu naturalmente a ideia de que, a partir de nossa décima Jornada, deveríamos somar os esforços. Dois dias lá, com alguns de nós, e dois dias aqui, com alguns deles. E que isso se mantenha nas próximas Jornadas, como uma boa tradição de integração. A parte brasileira dessas Jornadas, este ano, conta com apoio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, e até da CAPES. Teremos, lá e aqui, mais alguns participantes ilustres de outros países, como o português João Vila-Chã SJ, atualmente na Universidade Gregoriana, em Roma.
IHU On-Line - O senhor é reconhecido como o tradutor das obras de Kierkegaard ao vernáculo, e essa tarefa até agora cumpriu a sua função de fornecer boa tradução aos leitores brasileiros. Nesse sentido, o que espera da publicação da tradução de O conceito de angústia, traduzida diretamente do original, e que está no prelo, para as pesquisas no Brasil?
Álvaro Valls
- O conceito de angústia é um livro muito rico, profundo e difícil, além de fascinante. As traduções de que dispúnhamos até agora dependiam de traduções de outras línguas e não eram muito exatas. A nossa procurou levar em conta aspectos filosóficos que estavam obscurecidos e, ajudados, como de costume, por Else Hagelund, a manter a fidelidade à língua do autor. A leitura desta tradução, que deve aparecer pela Vozes em fins de janeiro de 2010, não será fácil, estou convencido disso, mas se tornará mais produtiva. Por outro lado, se nossas traduções têm algum valor, está ligado ao esforço de fidelidade, de manter o pensamento filosófico no seu nível e no esforço de usar uma linguagem nossa tal como Kierkegaard a usaria, pelo que conhecemos dele. A partir de uma tradução fiel e filosófica, o livro poderá ser investigado em seus aspectos dialéticos, platônicos, agostinianos, schellinguianos, hegelianos etc., além de ser alvo de estudos de toda a chamada área Psi.
IHU On-Line - Quais são os seus projetos para os próximos anos à frente do Grupo de pesquisa sobre a obra de Kierkegaard (CNPq) da qual é o presidente?
Álvaro Valls
- A situação do livro sobre a angústia é similar à da obra de 1849, A doença para a morte, conhecida entre nós em três ou quatro traduções indiretas, e, cada vez mais inexatas, e por temos grande a esperança no trabalho que o Dr. Jonas Roos, um de nossos quadros mais bem formados (agora professor de Filosofia da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora, MG), está fazendo. Torcemos para que seja publicada em 2010, e aí os dois passos seguintes teriam de ser passar ao nosso idioma o Postscriptum final não científico e a Escola (ou Prática) do Cristianismo. Há planos em nosso grupo de traduzir a polêmica de O instante e outros textos. É possível prever, pois, para os próximos dez anos, uma década de discussões competentes, a partir de textos bons em nosso idioma, e de produção de textos de qualidade que modificarão completamente nosso panorama. Em 2010, deverá ser publicada também a tradução que estou terminando da famosa livre docência de Adorno, orientada por Tillich, Kierkegaard - Construção do Estético pela UNESP. Jasson Martins, Jonas Roos, Sílvia Saviano Sampaio e Ilana Amaral já têm livros escritos que podem ser lançados em pouco tempo. E há uma coletânea, indo para o prelo, bem adiantada, sobre O conceito de angústia. Antes disso aparecerão, por certo, os melhores trabalhos dessas Jornadas de 2009.
IHU On-Line - Qual é a atualidade de Kierkegaard no contexto do pensamento filosófico contemporâneo?
Álvaro Valls
- Nos anos 1980, escrevi um artigo para o Folhetim da Folha de São Paulo, com esse título: A atualidade de Kierkegaard. O editor do Folhetim preferiu usar como título uma frase de meu texto: “E não se leu Kierkegaard”. Foi graças a esse artigo que conheci Vergote, que logo apresentei a Reichmann, então a ave rara das boas traduções de Kierkegaard no Brasil. Vergote congratulava-se com os franceses porque agora, com as Œuvres Complètes, das Éditions de l’Orante, traduzidas por Paul-Henri Tisseau, já podiam ler a obra desse autor. Hoje já não se pode dizer que, no Brasil, não se leu Kierkegaard. Há vinte anos, foi possível ironizar dizendo que aqui não se lera, só se escrevera sobre Kierkegaard. Agora não! Os recentes livros de Marcio Gimenes de Paula e Jorge Miranda de Almeida (que já publicou comigo uma introdução, na Zahar) demonstram já haver bastante consciência da contribuição desse pensador para as nossas questões. Na sociedade de massas, o indivíduo, no sentido enfático, ainda é a categoria crítica fundamental. Na globalização e no pensamento da identidade, a defesa adorniana do não-idêntico provém diretamente de sua tese sobre nosso pensador. O pensamento ético de um Wittgenstein costuma ser relacionado quase que exclusivamente a Schopenhauer, mas suas leituras de Kierkegaard eram de grande seriedade. E o que dizer de pensadores como Heidegger, Lévinas, teólogos como Barth, Tillich e Bultmann, e escritores como Thomas Mann e Max Frisch, que se apropriaram tanto dele, de forma tão produtiva? Quantas de suas provocações levaram Lacan e Derrida a ter novas ideias? E nem falemos da Hermenêutica do sujeito e do Cuidado de si, de Foucault, livros tão próximos de suas ideias que até parece que Kierkegaard os teria lido. E os teria lido, de fato, se tivesse podido, tal como lera Feuerbach e leu muito Schopenhauer nos seus últimos cinco anos. Por isso se pode até lamentar que Nietzsche tivesse prometido “ocupar-se com o fenômeno Kierkegaard” apenas em 1889. Foi tarde demais para ele, mas para nós ainda há um bom tempo.
Fonte> UNISINOS

Kant e a Consolidação da Modernidade

Ao buscar-se uma compreensão do processo de consolidação da Modernidade, principalmente no que se refere à sua caracterização enquanto momento do pensamento humano, é fundamental uma abordagem da imensa contribuição que o filósofo Immanuel Kant (1724 – 1804) nos deixou. Bem vale lembrar que foi Kant quem mais questionou as pretensões da razão em conhecer e em ser o tribunal de todo o conhecimento possível.

A obra kantiana é extremamente complexa, fato inegável, pois a sua preocupação está em compreender todo o processo do conhecimento humano e como este influi no cotidiano. Não podemos aqui simplesmente dividir a obra kantiana para que possamos abordar um aspecto que nos pareça relevante, isso, com certeza, fará com que nossa interpretação seja parcial e incorreta. O trabalho desse filósofo se dá em três vertentes: conhecer, julgar e querer; e sob elas é que deve ser interpretado.

Intentamos analisar de forma isolada a preocupação que Kant tem em relação ao conhecer, contudo, não podemos deixar de ter em perspectiva que o conhecer está associado ao julgar e ao querer.

Para Kant, todo conhecimento tem início na experiência, contudo, a experiência não é a única fonte do conhecimento, ou seja, não implica necessariamente que todo conhecimento provenha da experiência, mas que poderia muito bem acontecer como um misto entre o nosso conhecimento experimental e daquilo que a nossa própria razão fornece. Assim, chega à conclusão de que temos três possibilidades de juízos: analíticos, sintéticos a priori e sintéticos a posteriori. Sua concentração maior se dará em demonstrar a existência dos juízos sintéticos a priori.

Assim, a grande questão que Kant procura responder é: como são possíveis juízos sintéticos a priori?. Vemos, então que Kant pretende ir além das teorias tradicionais, como também das correntes filosóficas predominantes de seu tempo, tais como Racionalismo, Empirismo e Ceticismo, aproveitando as contribuições que essas correntes modernas da Filosofia lhe legaram, levando-as às últimas consequências e sendo radicalmente distinto delas.

As ciências em geral trabalham com juízos sintéticos a posteriori, pois acrescentam elementos ao conhecimento advindos da experiência, ou mesmo por juízos analíticos, ou tautológicos, utilizados para explicitar conteúdos já presentes no objeto estudado e que desta feita não acrescentam novos conhecimentos ao objeto. Atuando dessa forma, as ciências podem chegar a novas conclusões, de caráter limitado e contingente, pois seus resultados não são universais nem necessários por estarem dependentes da experiência, sendo sempre passíveis de modificação.
Contudo, Kant destaca a Física e a Matemática de seu tempo como modelos de conhecimento, pois tais ciências possuem em seu conjunto teórico proposições sintéticas a priori. Pretensão essa que a própria Filosofia almejava.

Dessa forma, Kant toma a Física e a Matemática de seu tempo como modelos de conhecimento, pois conseguiram cercar com maestria seu objeto de estudo. Isso é tão forte em Kant que o mesmo tenta empregar esse modelo de conhecimento para a Metafísica, apontando para as antinomias da Razão, ou seja, para os enganos e contradições que a Razão pode encontrar ao tentar falar de temas que estão além de seus limites tais como: Deus, liberdade, imortalidade da alma. Temas que vão além das possibilidades do conhecimento humano, assim em seu célebre texto “Crítica da Razão Pura”, Kant busca demarcar os limites dentro dos quais é possível o conhecimento humano e, por conseguinte, a própria Filosofai enquanto forma de conhecimento.
Assim, Kant compreende a razão de forma diferenciada da tradição que lhe antecedeu e, até mesmo das correntes filosóficas predominantes em seu tempo, pois este estabelece seus limites para o conhecer, gerando na Modernidade um cuidado todo especial quanto à validade dos conhecimentos gerados e sua objetividade. Além de propiciar uma crítica a toda e qualquer tentativa de absolutização e dogmatização de conhecimentos proferidos tanto pela tradição quanto para intentos posteriores.

Sem tal crítica, a Razão fica relegada a um estado de natureza, imperando o conflito. Não assegurando suas afirmações a reivindicações a não ser pela força bruta. Mas a crítica pode, mediante suas regras fundamentais e autoridade inquestionável, propiciar o apaziguamento desses conflitos. A paz é garantida pela sentença da crítica de que tal conhecimento não violou os limites da razão.

A crítica se dá antes mesmo de se postular um conhecimento adquirido como confiável, exigindo-se que seja certificado das condições do saber possível, em princípio, naquele contexto. Somente com a ajuda de critérios fidedignos sobre a validade de nossos juízos podemos conferir se há sentido em estarmos seguros de nosso saber.

Temos, até o presente momento, duas importantes contribuições de Kant para a consolidação da Modernidade, a saber: a Matemática e a Física como modelos de conhecimento e a Crítica do Conhecimento sob a qual se verificam as condições do saber possível. Mas não poderíamos deixar de mencionar, ainda, outras duas grandes contribuições para tal feito, que são: o conceito de identidade como pressuposto formal e não substancial e o aparato cognitivo que é o órganon sob o qual se viabiliza no ser racional o conhecimento.

A compreensão do ‘eu penso’ kantiano passa a ter mérito de romper com o objetivismo reinante. Em lugar de aceitar o primado do objeto sobre o conhecimento, instaura a investigação das condições do conhecimento dos objetos como constituidoras dos objetos, ou seja, a relação entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido é que pode, realmente, trazer conhecimento.

A consolidação da Modernidade, que pretendemos ver em Kant, é também chamada de sua ‘revolução copernicana’, ou seja, essa virada na ótica da Teoria do Conhecimento, de se estabelecerem as condições que nos permitem conhecer os objetos, e não os objetos determinando como o conhecimento se dá. Assim, a verdade passa a estar na relação entre o sujeito cognoscível (o ‘eu penso’) e o objeto que se dá a conhecer e não somente no objeto. Tal revolução se dá, pois o objetivismo se equivoca porque ignora justamente esse movimento reflexivo da consciência aceitando o objeto como um dado que se impõe à própria consciência. Assim, o ‘eu penso’ proposto por Kant tem que poder acompanhar todas as representações, pois do contrário, seria representado algo que não poderia de modo algum ser pensado, o que equivale a dizer que a representação seria impossível ou, pelo menos, não seria nada.

Ao considerarmos essa representação, temos de ter em mente que tais atos de consciência são sintéticos e, por isso, a experiência, e todo material cognoscível oferecido por ela, não estão pressupostos por essa estrutura formal. A reflexão, pois, é que consiste na possibilidade do sujeito em captar essas operações sintéticas e propiciar, mediante a autoconsciência, a síntese transcendental. Isso porque, em referência ao entendimento, o princípio supremo da mesma é: todo o múltiplo da intuição está submetido às condições de unidade sintética originária da apercepção.

A reviravolta que Kant propõe com esse conceito está no fato de que o sujeito pensante não é uma substância dada a priori, mas sim uma unidade do pensamento, portanto, formal. Tal problema remonta a Descartes, pois este propõe uma consciência substanciada, que serviria somente para a abertura da consciência ao conhecimento da objetividade dos objetos, tratando-se apenas de um método que reconhece, na substância pensante, extensa e infinita, a verdade que buscava. Assim, Kant não comete o equívoco cartesiano, pois, entende que o objeto só pode ser pensado enquanto tal através das operações sintéticas do sujeito, que de forma alguma pode ser considerado substância.

Em continuidade à reconstrução do pensamento kantiano, no que diz respeito à consolidação da Modernidade, temos de analisar a contribuição que ele dá quanto ao Aparato Cognitivo. É bem interessante notar que Kant não está preocupado em dar uma descrição precisa sobre o Aparato Cognitivo, tem em mente somente a intenção de apontar para a existência do mesmo. Mas, efetivamente, em que consiste esse Aparato Cognitivo? Ele é composto pela sensibilidade e as categorias do entendimento. A sensibilidade se expressa em duas formas: espaço e tempo.
Para Kant o espaço não é algo dado pela experiência e, muito menos, algo que surge pela percepção do sujeito ao se relacionar com os objetos externos, mas, ao contrário, o espaço é que auxilia ao sujeito a intuir os objetos externos a si mesmo e distribuídos espacialmente.

De forma análoga Kant argumenta que o tempo é uma intuição a priori. Pois, o sujeito não poderia perceber os acontecimentos de forma sucessiva no tempo se essa sensibilidade não lhe auxiliasse no manejo das informações apropriadas pela experiência.

Assim, teríamos no espaço e tempo duas condições sem as quais é impossível conhecer, mas o conhecimento universal e necessário não se esgota nelas. É preciso também o concurso dos elementos apriorísticos do entendimento.

Kant propõem juízos que ele mesmo classifica em quatro grupos distintos a saber: quantidade, qualidade, relação e modalidade. Cada um desses juízos possui as seguintes categorias correspondentes: quantidade: universais, particulares e singulares; qualidade: afirmativos, negativos e indefinidos; relação: categóricos, hipotéticos e disjuntivos; modalidade: problemáticos, assertórios e apodíticos.

Os argumentos de Kant em favor da legitimidade das categorias são os de que as diversas representações formadoras do conhecimento necessitem ser sintetizadas, pois de outra forma não se poderia falar de propriamente conhecimento. Fica claro, também, que o tempo, enquanto elemento formal constitutivo da sensibilidade é importante, pois apresenta na consciência da diversidade uma unidade, um eu unificado. Isso é apontado por Kant como fundamental na constituição da unidade sintética da apercepção, ou seja, do eu penso já discutido anteriormente.

Mas isso não foi suficiente para Kant, principalmente por se colocar, após essa argumentação, o seguinte problema: como é possível que duas coisas heterogêneas, como são as categorias, por um lado, e os fenômenos, por outro, possam ligar-se entre si?

Na resposta a esse problema, Kant vai ressaltar ainda mais a importância do tempo como elemento catalisador entre as categorias e os fenômenos, pois, por um lado, é homogêneo ao sensível por ser a própria condição do sensível e, por outro lado, é universal e necessário, enquanto conceito.

Assim, temos a contribuição de Kant quanto ao Aparato Cognitivo, que não tem a pretensão de esgotar a questão, mas simplesmente apresentar que tal aparato é formal, ou seja, não substancial e que propicia todo o desenvolvimento posterior de sua obra “Crítica da Razão Pura” no intento de estabelecer os limites próprios da Razão na busca pelo conhecimento.

Chegamos assim à conclusão da contribuição de Kant à consolidação da Modernidade. Principalmente no que tange à Teoria do Conhecimento, para a qual o mesmo propõe, como vimos, uma revolução só comparada à copernicana.

Vicente Eduardo Ribeiro Marçal
Professor Assistente I

Departamento de Filosofia
Fundação Universidade Federal de Rondônia

Colaborador:Rodney Eloy
Fonte:Rondoniano

Faleceu o Edward Schillebeeckx, ‘um teólogo feliz’



“Sou um teólogo feliz”. Assim se definia Edward Schillebeeckx, que faleceu aos 95 anos de idade às vésperas do Natal em Nimega (Holanda). Foi um dos teólogos católicos mais prestigiosos e uma das personalidades mais influentes na mudança de paradigma do cristianismo durante a segunda metade do século passado, além de protagonista na renovação da teologia e da Igreja católica.

Nascido em Amberes, metrópole da Bélgica flamenca, no seio de uma família de 14 irmãos, ingressou na Ordem dos Pregadores aos 19 anos atraído pela abertura dos Dominicanos ao mundo, pela dedicação ao estudo, ao trabalho de pesquisa e à teologia centrada na pregação. Ele mesmo tornou realidade com acréscimo estas quatro características em sua vida religiosa e em sua atividade intelectual.

Estudou filosofia em Gante e Teologia em Lovaina com uma orientação tomista clássica, que ele renovaria durante os primeiros anos de docência. Depois da II Guerra Mundial, foi para a França para fazer o doutorado em Le Salchoir e estudar na Sorbonne. Em Salchoir se encontrou com os teólogos Marie-Dominique Cheny, punido então pelo Santo Ofício, e Yves Marie Congar, que sofreu vários desterros por conta de seu ecumenismo. Na Sorbonne teve aulas com os filósofos Le Senne, Lavelle, Wahl e Gilson.

Em 1947, iniciou sua carreira docente em Teologia Dogmática em Lovaina para renovar o pensamento tomista, preso na neoescolástica, e abri-lo às novas correntes filosóficas. Os escritos deste período se caracterizam pelo uso do método histórico frente ao dominante dogmatismo de manual, e pelo perspectivismo gnoseológico, que buscava uma síntese entre a fenomenologia e o tomismo. Em 1958, passou a ensinar Teologia Dogmática e História dos Dogmas na Universidade Católica de Nimega até a sua aposentadoria.

Teólogo de confiança do episcopado holandês, na época progressista, foi assessor no Concílio Vaticano II e um dos principais inspiradores de não poucos dos documentos conciliares relativos à Revelação, lida desde a perspectiva do método histórico-crítico, e da Igreja em diálogo com o mundo. É proverbial a este respeito sua afirmação: “Fora do mundo não há salvação”, que contrasta com o aforismo excludente “Fora da Igreja não há salvação”. No Concílio se encontrou com Joseph Ratzinger, de quem disse: “Já então havia nele algo de que não gostava. Nas reuniões não falava nunca”.

Para manter o espírito do Concílio, criou em 1965, junto com Congar, Rahner, Metz, Küng e outros teólogos progressistas, a Revista Internacional de Teologia Concilium, editada em oito idiomas, entre eles o espanhol, que hoje chega ao número 332.

Processado três vezes

Foi processado em três ocasiões pela Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício): em 1968, por sua atitude aberta para com a secularização; em 1979, por seu livro Jesus. A história de um vivente (São Paulo: Paulus, 2008), a melhor cristologia do século XX; em 1984, por O mistério eclesial, onde justificava a presidência da eucaristia por parte de um ministro extraordinário não ordenado. Saiu ileso dos três e inclusive bem, já que conseguiu desmontar as acusações de seus inquisidores com lucidez de argumentos, brilho de exposição e finura teológica.

A sensação que temos, as teólogas e os teólogos, após a sua morte é de orfandade, apenas superada pela leitura de suas obras, que seguirão iluminando o itinerário do cristianismo do século XXI pela senda da interpretação, do diálogo com as culturas de nosso tempo e do compromisso com a justiça.